O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, continua na linha de que a recusa de custeio de tratamento fora do rol da ANS é conduta abusiva.
De forma geral, o entendimento majoritário dos Tribunais é de que o rol da ANS é meramente exemplificativo, constando coberturas mínimas obrigatórias, o que não exclui outras que se façam necessárias por expressa indicação médica. Assim, se a doença é coberta contratualmente pelo plano de saúde, o seu tratamento – de acordo com a indicação do médico assistente -, também o deve ser.
Todavia, quando se verifica abusos a ferir a relação contratual entabulada entre as partes envolvidas, a exemplo: Exigir da operadora de plano privado tratamento inexistente no rol da ANS, tendo no mesmo rol tratamento para a específica moléstia do usuário-beneficiário.
Nestes específicos casos, já temos o entendimento da Quarta Turma do STJ, em acórdão publicado na data de 20 de fevereiro de 2020, no Recurso Especial nº 1.733.013 – PR (2018/0074061-5), pela manutenção da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná em que o referido Tribunal negou a obrigatoriedade do plano de saúde em custear tratamento fora da lista da ANS:
“PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE”.
No caso em questão, a decisão do TJPR negou o custeio do procedimento cifoplastia a parte beneficiária do plano, uma vez que a operadora ré ofereceu o procedimento vertebroplastia, que consta no rol da ANS e possui o mesmo efeito do tratamento requerido.
De acordo com o Ministro Relator “não cabe ao Judiciário se substituir ao legislador, violando a tripartição de Poderes e suprimindo a atribuição legal da ANS ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não competindo ao magistrado a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo”.
Para o Ministro, situações levadas ao crivo do Poder Judiciário devem se apoiar na medicina baseada em evidências clínicas e em informações técnicas, pois “o rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população“. Ou seja, além de garantia à saúde do beneficiário, o rol da ANS propicia a previsibilidade econômica necessária à precificação de planos de saúde, evitando-se abusividade.
Segundo a decisão, o entendimento de que a cobertura mínima não deve ter limitações definidas pela Agência Reguladora, gera o efeito de obrigar as operadoras de plano de saúde, de forma tácita, a fornecer qualquer tratamento prescrito pelo médico, restringindo a livre concorrência.
É cediço que o Código de Ética Médica estabelece como princípios norteadores da atuação do profissional de medicina a autonomia do médico ao estabelecer que “(…) o médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho”¹, e que é direito do médico “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente”².
Neste sentido, imprescindível que o médico assistente fundamente seu relatório médico, expondo de forma técnica e com embasamento científico a necessidade do medicamento/procedimento prescrito, por ventura, fora do rol, e que somente este tratamento é indicado para o caso clínico e específico do paciente beneficiário, esgotando-se todas as possibilidades existentes no rol da ANS.
Não obstante o Ministro Relator entender pela taxatividade do rol da ANS, pondera que não é possível generalizar os casos, pois, “dessarte, por óbvio, não se está a dizer, sob pena de violação ao próprio princípio do acesso à justiça e estabelecimento ilegal de presunção absoluta (jure et de jure) de higidez dos atos da Administração Pública, que não possa existir situações pontuais em que o Juízo, munido de informações técnicas obtidas sob o crivo do contraditório, ou mesmo se valendo de nota técnica dos Nat-jus, em decisão racionalmente fundamentada, não possa determinar o fornecimento de determinada cobertura que constate ser efetivamente imprescindível, com supedâneo em medicina baseada em evidência (clínica)”, sugerindo, inclusive, a autocomposição: “é sempre possível a autocomposição. Muito embora não seja um dever que possa ser imposto, não se descarta a possibilidade de a operadora ou seguradora pactuar com o usuário para que ele cubra a diferença de custos entre os procedimentos do rol ou da cobertura contratual e o orientado pelo médico assistente, a par de ser hipótese que propicia ao consumidor valer-se dos preços mais favoráveis que usualmente são cobrados das operadoras em sua relação mercantil com os prestadores de serviços”.
Nesta toada, pode-se concluir que a decisão do STJ não excluiu a obrigatoriedade das operadoras de planos de saúde em custear o melhor tratamento ao beneficiário, mas impõe limites, pois se a ANS já dispõe em seu rol tratamento similar e com mesma eficácia, não há motivos para o beneficiário vindicar tratamento fora desta lista e com um custo mais elevado em que a previsibilidade da operadora não ocorre.
Ademais, a referida decisão do STJ não é vinculante, o que significa, em situações pontuais, munido de informações técnicas e científicas, pode determinar a cobertura de determinado procedimento ou fornecimento de medicamento fora do rol da ANS que constate ser efetivamente imprescindível ao beneficiário.
Oportuno aqui colacionar entendimento do Ministro Relator do STJ em outro julgado, no qual admitiu o fornecimento de medicamento off-label, mesmo sendo vedado pela Lei n. 9.656/1998:
RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO CLÍNICO OU CIRÚRGICO EXPERIMENTAL E MEDICAMENTOS NÃO REGISTRADOS NA ANVISA. EXPRESSA EXCLUSÃO LEGAL. USO OFF LABEL. POSSIBILIDADE, EM SITUAÇÕES PONTUAIS. CONFUSÃO COM TRATAMENTO EXPERIMENTAL. DESCABIMENTO. EVIDÊNCIA CIENTÍFICA, A RESPALDAR O USO. NECESSIDADE. 1. Por um lado, o art. 10, incisos I, V e IX, da Lei n. 9.656/1998, testilhando com a fundamentação da decisão recorrida, expressamente exclui da relação contratual a cobertura de tratamento clínico ou cirúrgico experimental, fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados e tratamentos não reconhecidos pelas autoridades competentes. Por outro lado, no tratamento experimental, o intuito da pesquisa clínica não é propriamente tratar, mas alcançar resultado eficaz e apto ao avanço das técnicas terapêuticas atualmente empregadas, ocorrendo em benefício do pesquisador e do patrocinador da pesquisa. 2. O art. 10, I, da Lei n. 9.656/1998, por tratar de questão atinente ao exercício profissional da medicina, deve ser interpretado em harmonia com o art. 7º, caput, da Lei n. 12.842/2013, que estabelece que se compreende entre as competências da autarquia Conselho Federal de Medicina – CFM editar normas “para definir o caráter experimental de procedimentos em Medicina”, autorizando ou vedando sua prática pelos médicos. 3. Nessa linha, consoante deliberação do CFM, o uso off label justifica-se em situações específicas e casuística se ocorre por indicação médica pontual, sob o risco do profissional que indicou. É considerado como hipótese em que “o medicamento/material médico é usado em não conformidade com as orientações da bula, incluindo a administração de formulações extemporâneas ou de doses elaboradas a partir de especialidades farmacêuticas registradas; indicações e posologias não usuais; administração do medicamento por via diferente da preconizada; administração em faixas etárias para as quais o medicamento não foi testado; e indicação terapêutica diferente da aprovada para o medicamento/material”. 4. Havendo evidências científicas que respaldem a prescrição, é universalmente admitido e corriqueiro o uso off label de medicamento, por ser fármaco devidamente registrado na Anvisa, aprovado em ensaios clínicos, submetido ao Sistema Nacional de Farmacovigilância e produzido sob controle estatal, apenas não aprovado para determinada terapêutica. 5. Conforme propõe o Enunciado n. 15 da I Jornada de Direito da Saúde, realizada pelo CNJ, devem as prescrições médicas consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, da posologia, do modo de administração, do período de tempo do tratamento “e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica”. 6. Assim, como a questão exige conhecimento técnico e, no mais das vezes, subjacente divergência entre profissionais da saúde (médico assistente do beneficiário e médico-perito da operadora do plano), para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, na linha do que propugna o Enunciado n. 31 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ, o magistrado deve “obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc”. 7. A prescrição de medicamento para uso off label não encontra vedação legal, e nem mesmo a recorrente afirma que a utilização do fármaco traz algum risco de dano à saúde da autora ou que seja ineficaz para o tratamento da enfermidade que a acomete. Portanto, e pela ausência de pedido de cassação da sentença para solicitação de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e/ou produção de prova pericial para demonstração da inexistência de evidência científica (clínica) a respaldar a prescrição do medicamento, é de rigor a confirmação da decisão recorrida, ainda que por fundamento diverso. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1729566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018). (Grifo nosso).
Nesse sentido, se verifica ser de fundamental importância que o beneficiário-paciente, quando da ocorrência de negativa por parte da sua operadora de saúde, consulte profissional especializado (advogado especialista na área da saúde), para que se obtenha a melhor orientação de seu específico caso, com vistas de ter seus Direitos preservados e respeitados.
[1] Cap. I, inciso VIII da Resolução CFM 2.217/18
[2] Cap. II, inciso II da Resolução CFM 2.217/18